Moqueca à Califórnia
maio 14, 2010
(Versão ampliada do post publicado pelo Braun Café originalmente no blog Vital)
Cozinhar para os amigos é sempre uma diversão. Introduzir a culinária brasileira em uma cozinha norte-americana é uma aventura ainda mais saborosa. No final de abril estive em São Francisco, na Califórnia, para um evento de tecnologia, mas desta vez trouxe na mala um pouco da nossa cultura: duas garrafinhas de leite de coco, uma de azeite de dendê e uma pequena cachaça.
Ao final do evento de trabalho, minha última missão na cidade era apresentar a Moqueca Baiana a dois amigos jornalistas, em uma bela e antiga cozinha do bairro Low Haight (região residencial próxima à rua que marcou o movimento hippie na década de 60, a Haight Street).
Confesso que o objetivo inicial era fazer uma feijoada light, mas seria bem difícil (e proibido) trazer carne seca, paio e couve na bagagem e parar de trabalhar para colocar o feijão de molho no dia anterior. Pensei então na moqueca, já que os ingredientes frescos poderiam ser encontrados nos mercados locais. E James, o dono da casa, que também adora cozinhar, me levou a um empório sensacional do bairro, o mercado Faletti Foods.
O Faletti tem produtos incríveis (passei rápido pela tentadora prateleira de molhos especiais antes que tivesse problemas de excesso de peso na bagagem), queijos produzidos na região (compramos um tipo de Emmental excelente para petiscar antes do jantar) e até celebridades.
Enquanto estava de olho no badejo (sea bass) chileno entre as apetitosas ofertas da peixaria e as lindas carnes do açougue, eis que entra no mercado um senhor, andando lentamente, muito parecido com o ator Danny Glover (“Máquina Mortífera”, “Ensaio sobre a Cegueira” etc.). Era o próprio, vivendo a vida e comprando algo para seu jantar. “Minha primeira celebridade no supermercado”, comentou James.
Além do badejo em postas e de um pouco de camarão para dar mais sabor, compramos os vegetais (incluindo coentro… sem medo) e o arroz branco tradicional, que fiz questão de preparar à moda brasileira. O arroz não ficou tão soltinho como eu queria porque o produto de lá é feito para ser colocado na água fervente, e não refogado antes, mas até que deu certo e ficou saboroso. Para acompanhar a moqueca provamos um Chardonnay local, muito leve e refrescante.
E lá fomos nós para a cozinha do James. Começamos pela caipirinha (a dica é cortar o limão em quatro e retirar a parte branca central, eliminando o sabor amargo), com ‘catchaça’, como eles pronunciam. O James aprendeu direitinho e a Nathacha, designer que mora com ele, também aprovou.
Abrimos um delicioso espumante rosé do vizinho Napa Valley, trazido pelo Robert para comemorar a aventura gastronômica e iniciei os trabalhos. O peixe foi temperado com um pouco de flor de sal – nada como ter um anfitrião gourmet -, sal refinado, pimenta do reino moída na hora e um quarto de limão espremido. Quando comecei a refogar cebola cortada em rodelas no dendê, o aroma da Bahia invadiu a casa e despertou a curiosidade de todos.
Juntei ao refogado uma lata de tomates pelados cortados na hora, em pedaços. Normalmente se usa tomate fresco, mas gosto muito dos ‘pelatti’ e a consistência ajuda a adiantar um pouco o preparo. Após apurar um pouco os tomates, incluí rodelas de pimentão vermelho e amarelo, depois acomodei as postas de peixe na panela. As seis postas pequenas deram para o repeteco de quatro pessoas no jantar e uma marmita para o James no dia seguinte.
Na sequência, um punhado de pequenos camarões (temperados no saquinho com sal e limão) entrou em cena para dar mais sabor e chegou a vez do mágico leite de coco. Embora eu tenha trazido nossa garrafinha brasileira, o ingrediente já é conhecido em lata pelos californianos, que apreciam a culinária tailandesa. Aliás, no fast food tailandês, Coriander (imagina se eles não usam coentro…), na praça de alimentação do Shopping WestField provei a deliciosa sopa Tom Kha Gai (pedaços de peito de frango e cogumelos em brodo com leite de coco, o amigo do coentro).
E falando de um dos mais amados e odiados temperos, o coentro também é um clássico nas moquecas (tanto na baiana como na capixaba, que leva óleo de urucum). Já torci o nariz para ele na vida, mas concluí que é a finalização perfeita do prato. Após 15 minutos de cozimento, no máximo, espalhe um punhado de coentro fresco na moqueca, deixe mais dois minutinhos e seja feliz.
Depois de muito bate-papo sobre vida e comida, chegou a hora de servir minha moqueca. Confesso que, empolgada com a conversa, deixei o peixe passar do ponto e as postas de desfizeram. Sim. Peixes cozinham rapidamente. Os camarões também podiam ser maiores, para ficarem mais visíveis, mas deram uma ótima contribuição à receita.
Servi os pratos com o arroz branco à moda brasileira, a moqueca e folhinhas de coentro para enfeitar, em uma linda mesa de jantar à luz de velas. Foi um sucesso. Particularmente, gostei muito do sabor, com todos os temperos equilibrados, bom nível de sal e, de certa forma, até que ficou leve para uma moqueca (não incluí pimenta). Acho que foi o espírito do momento. Terminamos a conversa e o vinho com pequenas e doces tangerinas compradas na quitanda do bairro e ótimas lembranças. Nada como cozinhar com alegria, entre amigos e sem estresse. Da próxima vez, a gente convida o Danny Glover.
Sabores de São Francisco
abril 4, 2010
São Francisco, na Califórnia, é a cidade maravilhosa dos Estados Unidos e uma das mais legais do mundo – não é a toa ter uma canção chamada ‘I left my heart in San Francisco‘. Por conta do trabalho, na área de tecnologia, tive a oportunidade de visitá-la algumas vezes e a mais recente tinha sido em maio de 2006, época em que o Braun Café foi criado.
No fim de março, o dever e a Autodesk me chamaram de volta. A jornada foi longa (26 horas só dentro do avião) e a estada curta (cheguei na tarde de quarta, trabalhei na quinta e voltei para o aeroporto às 13h da sexta). Mesmo na correria deu para matar a saudade do vento gelado do Pacífico – que te obriga a usar agasalho mesmo em alto verão – de sabores característicos como a sopa de mariscos (Clam Chowder) e a carne de caranguejo no Fisherman´s Wharf e do hambúrguer bom e barato do Red´s Java.
Desta vez também deu tempo de descobrir dois lugares muito bons com preços razoáveis: o italiano Il Fornaio e o chinês R&G Lounge, em Chinatown. Este último foi recomendado pelo Anthony Bourdain em um episódio sensacional de ‘No Reservations’ em São Francisco – fiquei feliz da vida ao ver que o ‘Tony’ adorou o Red´s Java, no fim do programa.
Para começar a sentir o que torna São Francisco tão especial, sua primeira parada deve ser o Pier 39, no Fisherman´s Wharf. Lá você encontra toda uma sorte de lojas de souvenir e uma variedade de restaurantes especializados em frutos do mar.
Quando pisei na cidade pela primeira vez, em 1999, fui jantar por lá, na Crab House e me encantei pelo ‘king crab’. O gigantesco caranguejo centola cozido vinha acompanhando de pão caseiro e molho de manteiga. Depois de começar a me lambuzar tentando manejar o utensílio para quebrar as patonas do caranguejo entendi porque me ofereceram um babador.
Desta vez, ao lado de Claudiney, querido jornalista da velha guarda da tecnologia e ótimo companheiro gastronômico, fomos ao Neptune´s Palace, no Pier 39. O clam chowder (US$ 5) foi o que mais valeu a pena – ainda prefiro a Crab House.
Depois do almoço dê uma parada na Chocolate Heaven e você nem precisa ir até a Ghirardelli, tradicional loja de chocolates da cidade, após o Pier 39. A variedade de chocolates da Heaven é de enlouquecer.
Se o orçamento estiver apertado, ande uns dois quarteirões para frente, vá até as barracas que ficam em frente aos restaurantes, perto da padaria Boudin Bakery (que diverte os turistas com seus pães em forma de caranguejo lagosta, tartaruga, jacaré etc.). Escolha uma barraca que tenha mesa do lado, peça um king crab cozido na hora, uma latinha de cerveja (embrulhada do saco de pão) e seja feliz.

Salada de espinafre, queijo pecorino, bacon, cogumelos grelhados e molho balsâmico quente do Il Fornaio
No jantar, Claudiney queria ir a um italiano e fez a aposta certa. O Il Fornaio é um lugar extremamente agradável, com ótima comida e preços bacanas. Além disso, a carta de vinhos do lugar foi premiada pela revista Wine Spectator em 2009.
Provei um bom minestrone de entrada (faltou um pouco de sal) e uma saladinha como principal: espinafre fresco, pecorino, bacon, cogumelos grelhados e molho de balsâmico quente (nada light e muito saborosa). Meu colega optou pelo fetuccine verde (massa da casa) com molho pomodoro que parecia apetitoso. Para esquentar optamos por um Chianti Clássico Ruffino Santedame 2006 (US$ 36) – ótima relação custo benefício entre as diversas opções de rótulos e preços da carta.
Na saída descobrimos que o Il Fornaio tem um café logo na entrada, que funciona durante o dia, servindo pães e cookies, que pareciam incríveis. Já deu saudade do lugar.
A culinária oriental é muito bem representada em São Francisco. E a dica do jantar, no dia seguinte, veio do Bourdain. Quando falei do martini de lichia do R&G Lounge, Claudiney logo topou o jantar em Chinatown.
O R&G é um autêntico chinês frequentado basicamente pelos locais. Difícil ver um ocidental entre milhares de clientes que se acomodam nos três grandes salões do lugar. Sua especialidade é o caranguejo centola empanado (sim, é possível deixar algo gostoso mais gorduroso e… gostoso), mas fizemos outras opções. Pedi um caldo de camarão, cogumelo e melão, sim o ‘chuchu do mundo das frutas’.
A melhor pedida veio do Claudiney: um prato com uns doze camarões bem graúdos, em um molho especial (algo parecido com maionese, mas só sei que estava ótimo) acompanhando de nozes caramelizadas. Uma combinação diferente e deliciosa por apenas 16 dólares.
Para acompanhar o camarão, pedimos um arroz ‘tipo shop suei’ com pedacinhos de kani, camarão e legumes, além do pato de pequim servido com molho teriaki, cebolinha e uma massa chinesa para você montar seu sanduíche. Estava gostoso, mas seria melhor se a carne estivesse desfiada e não em pedaços. Depois do banquete e de um bule de chá de jasmim (cortesia), saí de Chinatown parecendo o ‘kung-fu panda’, mas valeu a pena.
A despedida rolou no Red´s Java. Antes de ir para o aeroporto passei no IDG de São Francisco para dar um alô e o simpático James Niccolai, me levou para um café.
O Red´s é um lugar sem frescuras, muito barato e que ainda tem mesas no pier para você degustar seu sanduba feito em um pão meio francês meio italiano, tomando um sol e olhando o outro lado da Bay Bridge.
Como chegamos depois das 11h, o lugar não estava mais servindo café-da-manhã. Perdi as panquecas e o ‘pão com ovo’, mas resolvemos encarar cheeseburguer, fritas e Coca-Cola, para ‘não perdermos a tradição’, iniciada em 2002, com o Bob McMillan, na visita anterior ao IDG. Saí de lá contente, direto para o aeroporto, cantando ‘I left my diet in San Francisco’. E esta foi mais uma despedida da cidade mais bacana do mundo.